Nos primeiros meses após dar à luz, todo cuidado é
pouco para a recuperação do organismo da mãe e também para prevenir uma
gestação indesejada que é, sim, possível, mesmo durante a amamentação.
Assim que o bebê nasce e a placenta é expulsa por completo, tem início o
período que os especialistas chamam de puerpério. Embora seja
impossível determinar com exatidão o momento de seu término, diversos
estudos científicos indicam que isso acontece lá pela sexta semana
pós-parto, por volta do quadragésimo dia. É o tempo que o organismo
materno necessita para recuperar suas condições anteriores à gravidez.
“Esse período é importante para que todas as mudanças trazidas pela
gestação e pelo parto regridam ao estado natural”, explica o
ginecologista e obstetra Alexandre Pupo Nogueira, do Hospital
Sírio-Libanês, em São Paulo. E não são poucas essas alterações. O útero
que teve seu tamanho aumentado para abrigar o bebê tem de voltar ao seu
volume normal, pré-gestação. O colo uterino, que se abre nos dias que
antecedem o nascimento, precisa se fechar. O sangue, que durante os nove
meses teve aumento nas concentrações de água e hemoglobinas para serem
compartilhados com o feto, tem agora a missão de retomar seus padrões. E
para completar, o organismo precisa regular seu sistema hormonal que
havia sido elevado para levar a gravidez adiante, bem como o sistema
imunológico. Pouco se pensa a respeito, mas as células de defesa da mãe
precisaram se adaptar para não entender o filho como um corpo estranho
e, consequentemente, rejeitá-lo, como fazem com doenças.
É bom lembrar que, além do processo de retornar ao tamanho normal, o
útero está se recuperando também das lesões que sofreu durante o parto,
seja pelo corte durante a cesariana, seja pela ruptura da placenta, que
deixou ali uma ferida aberta. E essa ferida deve ser cicatrizada por
completo. “A relação sexual machuca o útero. Além disso, o pênis
empurra, lá para dentro, as bactérias presentes na vagina. Como a
cavidade uterina é estéril, sem bactérias benéficas para defendê-las de
micro-organismos invasores nocivos, há contaminação”, explica o médico.
“Para completar, as lesões nessa área, que causam o sangramento
pós-parto, permitem ainda a passagem das bactérias para a corrente
sanguínea, podendo deflagrar uma infecção grave em todo o organismo”. É
por causa disso que os médicos também desaconselham banhos de imersão
nesse período, uma vez que as bactérias presentes na água penetram pela
vagina. Vem daí, aliás, o antigo costume de as mulheres não tomarem
banho durante o puerpério. Antigamente, quando a cultura foi
incorporada, não existia chuveiro. As pessoas se lavavam em tinas.
O obstetra Paulo Roberto Dutra Leão, da Universidade Federal do Mato
Grosso (UFMT) e vice-presidente da Federação Brasileira das Associações
de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), em Cuiabá, ressalta que outra
precaução essencial nesse período é prevenir uma gravidez. Embora ainda
persista o mito de que a mulher não engravida enquanto amamenta, é
preciso colocar os pingos nos is. “A mãe não ovula enquanto o bebê for
alimentado exclusivamente com leite materno, por livre demanda. Ou seja,
ele mama a todo momento, várias vezes ao dia e à noite, e não recebe
água, chá ou suco. Nessas condições, a mulher pode ficar até 6 meses sem
ovular”, diz.
O aleitamento regular do recém-nascido durante o dia e à noite, sem
suplemento alimentar, por até seis meses garante, nesse período,
proteção efetiva de até 98% contra uma nova gravidez. Como esclarece a
professora de Ginecologia e Obstetrícia Mary Nakamura, da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp), isso acontece porque, entre outros
fatores, a sucção da mama pelo bebê estimula a produção da prolactina,
hormônio responsável pela produção do leite que, ao mesmo tempo, suprime
a atividade ovariana. Como se vê, além proporcionar o melhor alimento
ao filho, com todos os nutrientes necessários na dose certa, a
amamentação traz uma lista de benefícios para a mamãe: ela aumenta o
gasto calórico, ajudando-a a perder peso, estimula o retorno do útero ao
tamanho normal, ajuda a estancar o sangramento e ainda funciona como um
contraceptivo natural.
No entanto, em mulheres que amamentam duas vezes ao dia, ou que, por
qualquer razão, nunca deram o peito ao filho, a ovulação volta a ocorrer
em torno do 27º dia após o parto. Isso é mais comum entre as mais
jovens e, portanto, mais férteis. Mary Nakamura lembra que a chegada do
bebê e a nova rotina alteram profundamente o relacionamento do casal,
que acaba ficando em segundo plano. “Embora essa distância entre os
parceiros seja um fator protetor contra uma nova gravidez, é grande o
número de mulheres que engravidam enquanto amamentam”, avisa. Pesquisas
mostram que 40% dessas mães têm relações sexuais no puerpério. “Muitas
vezes, a mulher com o bebê pequeno não está menstruando e pensa que está
protegida, sendo que, na verdade, ela já ovulou e está grávida de
novo”, completa Alexandre Pupo Nogueira.
E é justamente aí que mora o perigo. Segundo especialistas, o intervalo
interpartal é de grande importância para a mulher e o bebê. Enquanto as
crianças concebidas entre 18 e 23 meses após uma gestação prévia
apresentam menos problemas, os nascidos em intervalos menores que um ano
e meio têm maior o risco de baixo peso ao nascer, parto prematuro,
paralisia cerebral e subnutrição. Quando o intervalo é menor que seis
meses, as mães têm maior probabilidade de sofrer de sangramento vaginal,
ruptura prematura de placenta, endometrite puerperal (inflamação do
endométrio, aquela camada interna do útero) e anemia. Além disso, antes
de 24 meses há maior tendência a um ganho de peso que ultrapasse 15
quilos e maiores chances de diabete gestacional. Estudos científicos
sugerem que o intervalo ideal seria de três a cinco anos, com melhora na
saúde materna e infantil. Conforme destaca Paulo Roberto Leão, os
perigos de gestação no período interpartal são mais sérios para mulheres
mais velhas e para as muito jovens. “Aos problemas já citados, somam-se
os quadros crônicos que surgem com a idade, como a pressão alta e o
diabete, por exemplo, que pioram o prognóstico”, diz. “E as adolescentes
têm o organismo em desenvolvimento, buscando o equilíbrio hormonal, o
que é outra condição desfavorável”.
Métodos contraceptivos
Como o reinício da ovulação depende do padrão da amamentação, de
variáveis biológicas da mãe, de fatores nutricionais, culturais e
socioeconômicos, é impossível precisar quando isso irá ocorrer. O que se
sabe é que confiar apenas no aleitamento quando o objetivo é afastar a
cegonha pode ser arriscado. “As probabilidades de falha do método, mesmo
quando há amamentação exclusiva e ausência de menstruação por seis
meses, varia de 0,2 a 2%”, alerta a ginecologista e obstetra Milena
Bastos Brito, professora dessas disciplinas na Universidade Federal da
Bahia.
Segundo a médica, que realizou pesquisas sobre o uso de anticonceptivos
no puerpério, há vários métodos disponíveis. O preservativo masculino
ou feminino é eficaz para prevenir a gravidez e para proteger o casal
das doenças sexualmente transmissíveis. Mas falha porque nem sempre há
motivação para o uso nem o emprego correto do método. A camisinha
feminina é recomendada seis semanas após o parto, mas como as dimensões
da vagina e do aparelho de sustentação dos órgãos pélvicos mudaram com a
gravidez, é preciso rever seu tipo e tamanho. Costumam obter melhores
resultados com esse método as mulheres com mais de 35 anos, que já
apresentam declínio da fertilidade e as que, em geral, mantêm menos de
quatro relações sexuais por semana.
De cobre ou liberador do hormônio levonorgestrel, os dispositivos
intrauterinos (DIU) são considerados eficientes, com taxas de 0,3 a 0,8%
de gravidez indesejada em um ano de uso, conforme estudos. Podendo ser
usados por até 10 anos, têm ainda a vantagem de não interferir na
lactação. O ponto negativo é que o DIU de cobre geralmente provoca uma
reação inflamatória no endométrio. O momento adequado para sua inserção
no puerpério ainda é controverso. Discute-se muito se o melhor seria
colocá-lo imediatamente após saída da placenta; no pós-parto imediato ou
após seis semanas. As taxas de expulsão variam conforme o momento,
técnica de inserção e tipo de DIU. Segundo dados da Organização Mundial
da Saúde, esses índices variam em torno de 20% para inserção no
puerpério imediato e com um ano de uso, e também são influenciados pelo
tipo de DIU eleito. O problema é mais raro com o DIU de cobre. Se
colocado no fundo uterino, imediatamente após a eliminação da placenta,
as taxas de expulsão, em seis meses, são de 7 a 15%. Os risco de
infecção e perfuração são maiores quando inseridos antes da sexta semana
de pós-parto. No entanto, estudos demonstram que, quando colocados
assim que a mulher dá à luz, é rara a ocorrência de perfuração. “O ideal
é que essas pacientes sejam acompanhadas regularmente para o médico
identificar uma possível expulsão precoce do DIU”, recomenda Milena.
Entre as pílulas, nem todas podem ser utilizadas enquanto o bebê
estiver mamando. Aquelas que combinam um estrogênio, em geral o
etinilestradiol, e um progestagênio, inibem a secreção dos hormônios FSH
e LH que atuam na ovulação, suspendendo-a. “Essas pílulas não devem ser
utilizadas no puerpério porque o componente estrogênico prejudica a
quantidade e qualidade do leite materno, ao suprimir a produção de
prolactina, o hormônio responsável pela produção do leite”, explica a
médica. “Até para as mulheres que, por alguma razão, não amamentam,
estes anticoncepcionais são contraindicados, nas primeiras seis semanas
pós-parto. Isso porque aumentariam em até 18 vezes os riscos de trombose
venosa e arterial. E nas seis semanas de puerpério a coagulação do
sangue é maior, elevando em até 60 vezes as chances de trombose”.
As pílulas isoladas ou minipílulas são boas opções, pois suprimem a
ovulação sem interferir na quantidade ou qualidade da lactação, no
desenvolvimento do recém-nascido nem no risco de trombose. Estão
disponíveis na forma de comprimidos (minipílulas), injeção
intramuscular, implantes subcutâneos e também no sistema intra-uterino
liberador de hormônio. Em baixas dosagens, podem ser mantidas durante a
amamentação exclusiva por até seis meses ou até a paciente menstruar. E
com doses maiores de progestagênios, que são mais eficazes, podem ser
administradas após o término da lactação. As minipílulas têm alta
eficácia contraceptiva nas lactantes, com taxas de apenas 0,5 a 1,0% de
gravidez no primeiro ano de uso, desde que administradas corretamente.
Fora do puerpério, a proteção é menor: interrompe a ovulação em apenas
40% dos ciclos. A pílula de progestagênio isolado, contendo 75 mcg de
desogestrel, inibe a liberação do óvulo em 98 a 99% dos ciclos. Os
injetáveis trimestrais também são bastante seguras, com taxas de
gravidez de 0,3% no primeiro ano de uso.
Outra opção são os implantes subdérmicos liberadores de hormônios
sintéticos etonorgestrel e de levonorgestrel, com ocorrência de gravidez
de 0% a 1%. Eles podem ser usados por um longo período. Impedem a
ovulação, espessam o muco cervical e alteram o endométrio. Tudo para
dificultar a concepção. Como não comprometem a quantidade e a qualidade
do leite, não prejudicam o desenvolvimento do bebê nem estão associados à
trombose, podem ser colocados ainda no puerpério. A desvantagem é o
preço: custam em torno de R$ 600.
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