O sonho de qualquer pai é que o filho viva com segurança. Seja enquanto
está dentro de casa pulando do sofá, seja quando está lidando com
estranhos no mundo lá fora. A preocupação é justificada quando
observamos os dados sobre a infância no Brasil. Segundo a ONG Criança
Segura, os acidentes domésticos são a principal causa de morte de
crianças entre 1 e 14 anos. Já as estatísticas da Associação Brasileira
de Busca e Defesa a Crianças .
Desaparecidas mostram que são mais de 50
mil crianças e adolescentes desaparecidos no Brasil. Muitos deles
sequestrados.
Não é o caso de passar a criar o filho numa redoma de vidro, mas
algumas atitudes podem deixar a família mais tranquila. Mesmo sendo
pequenas, as crianças conseguem assimilar algumas noções de segurança
quando ensinadas da maneira correta e em uma linguagem compreensível
para a idade delas. Conversamos com especialistas para descobrir as
melhores dicas.
1. A responsabilidade é sua
Antes de mais nada, um alerta importante: ensinar essas noções ao filho
não tira a sua responsabilidade como pai de mantê-lo seguro. Ao saber
onde estão os perigos, ele poderá de fato ser mais cuidadoso, mas isso
não é uma garantia contra os acidentes. “A responsabilidade pela
integridade física e emocional da criança é dos pais. É um grande erro
transferir isso a ela”, alerta Alessandra François, coordenadora
nacional da ONG Criança Segura.
2. Como falar com a criança
A melhor maneira de ensinar noções de segurança a uma criança pequena é
usar exemplos que tenham coerência com o dia a dia dela. Ao explicar,
por exemplo, que ela não deve aceitar balas de um desconhecido, diga que
ela poderá ter uma dor de barriga horrível, já que ele não sabe
encontrar as melhores balas, como a mamãe. A ideia é informar, e não
amedrontar a criança.
Foi essa a maneira escolhida pela escritora Aline Angeli, autora de O
Livro das Emergências – O Que Toda Criança Esperta Precisa Saber Sobre
Segurança. “No livro, a criança não é ‘ameaçada’ e é nem vítima de um
mundo perigoso. Não tem lição de moral. Ela só é estimulada a ser mais
esperta e inteligente do que as armadilhas montadas pelo perigo. Elas se
sentem fortes, poderosas, e não assustadas”, diz Aline. “A maioria das
crianças compreende a noção de que o perigo se esconde em algumas
situações, e acredito que vale a pena, sim, apresentar conceitos como o
de acidentes caseiros e problemas com estranhos para elas o quanto
antes. É preciso treinar com os pequenos o desfecho para situações de
emergência, como saber o número do telefone de casa caso se percam na
rua”, continua Aline.
As explicações devem ser dadas por inteiro (“Se você cair da janela,
vai se machucar, terá muitos dodóis e não poderá mais ficar com o papai e
a mamãe”). Do contrário, corre-se o risco de a criança ficar curiosa
sobre o desfecho e fazer exatamente o que não pode só para saber o que
acontece. E dê um tempo para ela absorver a explicação. Dependendo da
idade e do desenvolvimento, o pequeno precisará de mais conversas. Como
tudo o que se relaciona à educação infantil, o segredo é a repetição.
Explique muitas vezes, e sempre que for necessário. Não será da primeira
vez que a criança entenderá e agirá como você quer.
Quando algo ocorrer, se ela realmente cair do sofá ou acompanhar outra
pessoa até a lanchonete sem avisá-la, não grite, não berre. Converse. A
criança tem de sentir que há uma parceria entre vocês. “Se ficar com
medo e perder a confiança nos pais, ela nunca mais vai contar o que fez.
Tem de haver uma cumplicidade para que os filhos falem sobre o que
aconteceu”, explica Glauce Assunção, psicóloga e neuropsicóloga do
Hospital São Camilo/Santana, em São Paulo. Equilibre a bronca para
manter o canal de comunicação aberto.
3. Como lidar com pessoas estranhas
Não se engane. Mesmo crianças que costumam “estranhar” quem não
conhecem vão seguir um desconhecido se ele oferecer um brinquedo ou um
doce. Crianças são crianças! E tendem a achar que adultos são sinônimos
de segurança. Os pais precisam explicar, de forma equilibrada, que nem
todo mundo é legal, que algumas pessoas são “bobas”, podem bater, deixar
a criança sem comida, roubar seus brinquedos e por aí vai. Procure ser o
mais claro possível. Não fale em bicho-papão e homem-do-saco. Diga que
se trata de um homem ou mulher ruins que podem levá-la para longe da
mamãe. Por isso, não se deve aceitar nada de alguém que não se conhece e
muito menos acompanhar essa pessoa a algum lugar. E, mesmo em situações
nas quais é a mãe de um amiguinho ou uma tia que convida para sair, é
necessário que ele avise a mamãe ou o papai. Nesses casos, é claro que a
intenção do outro adulto geralmente é boa: ajudar e distrair a criança
em determinadas situações. Mas você deve sempre saber onde e com quem
seu filho está. Não é necessário incutir medo na criança, mas ela deve
saber que não é bom sair sem avisar os pais.
Na lista das explicações a respeito do contato com pessoas estranhas,
entra também um alerta sobre ser tocado por elas. O assunto é bem
delicado, mas necessário. Vale mostrar que um carinho na cabeça é
aceitável, mas que, no restante do corpo, é melhor que apenas papai e
mamãe tenham acesso. Fale isso de forma tranquila, do mesmo modo que
explica sobre o perigo de dedos na tomada. Crianças pequenas não têm
malícia e vão encarar a explicação de forma mais prática do que você
imagina.
Oriente seu filho para gritar bem alto se um estranho tentar levá-lo à
força. A melhor frase para usar é “Esse não é o meu pai, socorro!”. Ele
deve fazer isso mesmo que o tal adulto peça para que fique quietinho. É
importante que os pais sempre tenham a confiança da criança para ensinar
que, se alguém ameaçá-la dizendo “não conte isso para os seus pais”,
ela faça exatamente o contrário e nunca guarde segredos.
4. O que fazer quando se perder
Perder uma criança em locais públicos é muito mais comum do que se
imagina. Elas correm para todos os lados, se confundem com a multidão.
Um momento de distração e você a perde de vista. Não adianta ficar
ameaçando o pequeno a nunca mais sair de casa caso não pare quieto. O
melhor é prevenir. A partir de 3 anos de idade, dependendo do
desenvolvimento de seu filho, ele já conseguirá decorar o número do
telefone de casa. Treine bastante. Ele vai adorar e se sentir
importante. Antes disso, crianças devem sair sempre com um cartãozinho
com o nome e telefone dos pais. Mostre que o cartão estará no bolso da
roupa e, caso ela se perca, deve mostrá-lo a alguém. Mas quem? Aí está o
segredo. Não é qualquer pessoa. Sempre oriente seu filho a procurar: a
mãe ou pai de outra criança, um guarda/policial/segurança (é fácil para
ela identificar o uniforme) ou alguém que trabalhe dentro de uma loja ou
restaurante – de preferência no caixa para não ter erro. Diga que essas
pessoas poderão ajudá-la a encontrar você novamente. Também é
importante pedir que ela não saia da área onde se perdeu, pois você
estará procurando por ali.
Caso se perca no shopping, combine que ninguém saíra do local. Se
possível, ela não deve nem andar pelas escadas e continuar no mesmo
andar, assim será mais fácil encontrá-la. Aqui valem as mesmas regras
sobre pedir ajuda. Explique, por exemplo, que ela pode entrar na loja de
brinquedo (as mais conhecidas das crianças) e conversar com uma
vendedora. Outra dica bacana, dependendo da capacidade de entendimento
da criança, é combinar um local ao qual ela deve ir caso se perca. Pode
ser sua loja de fast-food preferida ou aquela doceria onde existe um
sorvete delicioso – são informações visuais que a criança é capaz de
guardar por associação.
Na rua, vale ressaltar o perigo dos carros e orientar para que fique na
calçada. Ou, melhor ainda, que entre em um local como uma loja,
restaurante, padaria, prédio, onde ficará mais segura e poderá pedir
auxílio. Já na praia, o melhor é explicar o perigo de tentar entrar na
água caso se veja sozinha. Não é ali que ela deve procurar os pais. Fale
que, apesar de bonito, o mar pode ser bem chato com as crianças, pois
pode tentar arrastá-las para o fundo e fazer muitos dodóis. Avise que
isso acontece também com quem sabe nadar. Por isso, ele deve ficar na
areia, perto do lugar onde viu os pais pela última vez. E deve procurar
ajuda com outras famílias que estiverem por perto. Ou, se a praia tiver
pontos de salva-vidas e informações, geralmente sinalizados com
bandeiras bem vistosas, ensine-a a ir até lá. Em hipótese nenhuma ela
deve acompanhar estranhos que não sejam o pai ou a mãe de outra criança
ou que não estiverem uniformizados.
Finalize as explicações mostrando que o melhor mesmo é ficar sempre ao
lado dos pais para nada disso acontecer e estragar o passeio. E, caso a
criança se perca, quando achá-la, segure a ansiedade, dê bronca, mas não
grite. Respire, mostre o quanto ficou preocupado e, caso ela tenha
seguido algumas das suas orientações, elogie o seu desempenho. Mas deixe
claro que aquilo foi ruim e não deve acontecer novamente
5. Cuidados que elas devem ter na rua
Perder-se na multidão enquanto anda na rua não é o único problema que
pode ocorrer com crianças. Infelizmente, os atropelamentos são a segunda
causa de morte infantil no Brasil, segundo a ONG Criança Segura. A
explicação é simples: até os 10 anos, o pequeno não tem noção de tempo
nem de espaço e não desenvolveu a visão periférica. Fica confuso. Quando
vê um carro e um caminhão vindo em sua direção, por exemplo, sempre
achará que o último, em razão do tamanho, está mais perto. Mesmo que o
carro esteja mais rápido. Ela é incapaz de planejar o ato de atravessar
uma rua, que exige observar a calçada lá na frente, ter noção de quanto
tempo demora alcançá-la e, ao mesmo tempo, calcular a distância e a
velocidade dos carros, muitas vezes vindos de sentidos opostos.
Complicado, né? Ela vai ter de crescer e praticar muito para fazer tudo
isso sozinha. Até lá, só deve andar na rua acompanhada! E de mãos dadas
com o adulto, que deve segurá-la de preferência pelo pulso – mais
difícil de escorregar caso ela resolva sair correndo. Com frequência, os
pequenos respeitam os adultos até a metade da rua e, depois, achando
que não vem mais nenhum carro, soltam a mão e atravessam o restante
correndo sozinhos. Não deixe que seu filho se acostume a fazer isso.
Hoje em dia, as calçadas também andam perigosas. Quase todo comércio
tem estacionamento na frente e os portões das garagens de prédios
aumentam a cada dia. Carros entram e saem a todo momento. Por isso, a
mão dada também vale para a calçada.
6. Como se comportar em parques e playgrounds
Os perigos aqui são dois. Primeiro, é bom a criança ter a noção de que
brinquedos quebrados, escorregadores com pontas soltas e trepa-trepa
faltando partes podem machucar. E isso vai doer muito. A
responsabilidade de verificar o estado de manutenção do parque é dos
pais, mas a criança pode ajudar avisando quando notar algum problema.
Mostre também que cada brinquedo funciona de um jeito, e será legal se
isso for respeitado. Por isso, tentar pular do escorregar ou escorregar
no trepa-trepa pode doer e acabar com a brincadeira. A ideia não é
cercear a criança, mas orientá-la e diminuir o risco de acidentes.
Outro assunto importante, principalmente quando se trata de playgrounds
de prédios, é você acompanhar de perto o que está acontecendo. O ideal é
nunca deixar a criança sozinha nesses lugares, mesmo que tenha um
grupinho de mães por ali, já que nem sempre é possível prever quando
elas sairão do lugar. Explique para seu filho que, caso você não esteja
por perto, ele não deve sair do playground. Não pode sair do prédio –
isso pode ser combinado com o porteiro, mas lembrando que ele não é
responsável por tomar conta da criança – e não deve ir ao apartamento de
outra pessoa sem avisar você. Explique que ele também não gostaria se
você saísse e não avisasse nada. Quer ir à casa do amiguinho? Interfone
para os pais e pergunte se pode. Ele tem de fazer isso mesmo que os pais
do amigo digam que está tudo bem.
7. As armadilhas dentro de casa
É impressionante como uma casa pode ser perigosa para uma criança
pequena. Há móveis altos, cantos de mesa, tomadas, acessórios de
cozinha, produtos de limpeza, remédios, pisos escorregadios ou muito
ásperos, portas pesadas, janelas sem rede, fornos quentes, vasos
sanitários, tapetes que escorregam... A lista não acaba. O jeito é ir
mostrando como cada coisa, se usada da forma errada, pode causar dodói e
impedir que a criança possa brincar durante um tempo. E explique tudo,
com começo, meio e fim.
Dependendo da idade do seu filho, não adianta, por exemplo,
simplesmente guardar os remédios em lugares altos. Ele ficará curioso e
arrastará uma cadeira para alcançar. Diga que, à medida que ele for
crescendo, aprenderá a lidar melhor com tudo aquilo e os riscos de
perigo irão diminuir – mas não acabar. Aproveite seus próprios
acidentes, como um corte na hora de picar legumes, uma queimadura ao
tirar o bolo do forno e até um tropeço, para exemplificar que aquilo
pode doer e não é legal. Nada disso fará a criança se esquecer do quanto
é gostoso pular do sofá ou xeretar na gaveta dos acessórios de cozinha.
Afinal, são crianças e você é quem tem de ficar de olho. Mas, com o
tempo e muita explicação, elas podem ficar um pouco mais cuidadosas.
Uma ótima ideia, quando falamos de segurança em casa, é ensinar o
número de telefone da polícia para a criança. O 190 é um número fácil de
decorar e achar no teclado. Explique que se trata de algo muito sério,
um telefone especial que não deve ser usado à toa. Mas tem de ser
discado se: um adulto pedir, mamãe, papai ou quem estiver cuidando dele
desmaiar, pegar fogo em algum lugar, um desconhecido tentar entrar na
casa. Se conseguir dizer o endereço para quem atender, melhor ainda.
Acredite: crianças e adultos já foram salvos por essa pequena atitude.
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