Pesquisas inéditas garantem: nos primeiros
meses de vida, o uso indiscriminado das substâncias que combatem
bactérias pode contribuir com o ganho de quilos extras.
O médico escocês Alexander Fleming
(1881-1955) revolucionou a medicina quando encontrou, em 1928, uma
maneira de combater as infecções bacterianas, verdadeiras epidemias que,
até então, não tinham adversários à altura. Seu grande achado foi a
penicilina, o primeiro antibiótico do mundo, que culminou no
desenvolvimento de vários outros ao longo dos anos. Passadas mais de
oito décadas, os frutos de sua descoberta inicial foram associados,
agora de maneira negativa, a mais um surto: o da obesidade infantil.
O alerta vem da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, onde um
trabalho avaliou mais de 11 mil meninas e meninos nascidos entre 1991 e
1992. Segundo os especialistas, a prescrição de antibióticos antes dos 6
meses de idade patrocinou o surgimento de gordurinhas poucos anos
depois. "As crianças que tomaram esses medicamentos apresentaram um
risco 22% maior de ficar acima do peso", revela o pediatra Leonardo
Trasande, autor da investigação.
Outro experimento da mesma instituição reforça a tese. Nele, ratos
jovens receberam doses de antibiótico junto com a refeição. Após algumas
semanas, as cobaias tiveram um aumento de 15% na gordura corporal. "Ao
que tudo indica, os remédios alteraram a flora intestinal, elevando o
aproveitamento das calorias dos alimentos", explica o
gastroenterologista Ilseung Cho, líder do estudo. Os antimicrobianos
também favoreceram a reprodução de bactérias que incentivam o organismo a
diminuir o gasto energético. "Esse processo é mais intenso nos
primeiros anos de vida, fase em que o sistema digestivo engatinha",
acrescenta a endocrinologista Maria Edna de Melo, da Associação
Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.
Esses artigos ganharam destaque dentro da comunidade científica por
serem os primeiros a relacionar antibióticos com sobrepeso,
principalmente em uma etapa da vida em que o corpo está em plena
formação. Alguns levantamentos já tinham até comprovado que as mudanças
na flora intestinal levam à obesidade. "Mas as pesquisas americanas
foram pioneiras por advertirem que esses medicamentos são
desencadeadores do processo", acrescenta o endocrinologista Walmir
Coutinho, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Os estudos da Universidade de Nova York engrossam um coro cada vez mais
forte de entidades que lutam por uma prescrição consciente. "Existem
vários fatores que levam ao exagero na indicação dos remédios que matam
as bactérias", atesta o pediatra Fábio de Araujo Motta, do Hospital
Pequeno Príncipe, em Curitiba. O principal deles é a pressão dos pais.
"As pessoas pensam que, se o médico não lançar mão de um fármaco, ele
não está fazendo seu trabalho direito", lamenta.
É fundamental ressaltar também que o modelo de atendimento rápido, por
meio de prontos-socorros, impossibilita o tratamento adequado. "O médico
que faz as consultas nesses locais dificilmente conhece o histórico do
paciente. Portanto, ele prefere não arriscar, recomendando de cara o uso
de uma substância antibactérias", critica Fabio Ancona Lopez, pediatra
do Departamento de Nutrição da Sociedade de Pediatria de São Paulo.
É claro que os pais precisam obedecer às recomendações do especialista.
"Os antibióticos são indispensáveis na presença de uma doença bacteriana
confirmada por exame e avaliação clínica detalhada", salienta a
neonatologista Betania Bohrer, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto
Alegre. "Nenhuma mãe deve deixar de dar antibiótico ao filho que está
com uma infecção dessas com medo de engordá-lo", reforça a
endocrinologista Maria Edna de Melo. Daí a importância de consultar um
pediatra de confiança, que acompanhe a criança desde a mais tenra idade.
Além do ganho de peso, o excesso de antimicrobianos acarreta um
perrengue grave. Quando o indivíduo usa essas drogas de forma errada,
contribui para que as bactérias fiquem poderosas e resistam bravamente
ao ataque dos seus oponentes. Ora, para combater essas versões mutantes,
são necessárias doses cada vez mais fortes e variadas. Nesse processo,
certos micro-organismos acabam ficando extremamente vigorosos - hoje, as
chamadas superbactérias são uma realidade e começam a preocupar
autoridades mundo afora
(veja abaixo).
Para reduzir o consumo equivocado, a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa), órgão que regula a comercialização de remédios no
Brasil, tornou mais rigorosa a compra de antibióticos. Desde 2010, ela
só é autorizada com receita. Na farmácia, uma via fica retida, junto com
diversos dados do médico e do paciente. O pedido, diga-se, é válido
apenas por dez dias. Nada mais do que isso.
Em qualquer fase da vida, o uso dos antibióticos depende do aval de um
profissional de saúde. Quem utiliza esse tipo de remédio por conta
própria assume riscos tanto para si como para o resto do globo. E, de
quebra, ajuda a inserir uma nota de rodapé nada positiva na história de
Alexander Fleming e na de sua invenção.
Fonte: Mariana Gonzalez Oliveira, pediatra do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre
Alerta global
Em março, a Organização Mundial da Saúde divulgou um aviso sobre o
uso de substâncias que combatem as bactérias - o mundo enfrenta uma
crise de resistência aos antibióticos. Até certas doenças já
relativamente controladas, como a tuberculose, podem se transformar em
pandemias se nada for feito. Por isso que, para desenvolver suas defesas
e, assim, não necessitar de antibióticos a toda hora, os pequenos
precisam entrar em contato com a vitamina "S" , de sujeira. "As crianças
devem viver em um ambiente em que criem um sistema imune forte",
arremata o pediatra Fabio Ancona Lopez.
Nos Estados Unidos, os pediatras prescrevem mais de 10 milhões de frascos de antibióticos desnecessários todos os anos.
Doping animal
As pesquisas americanas partiram da observação de uma prática bem
comum em fazendas: os antibióticos fazem parte do cardápio de diversos
animais de abate, como vacas, ovelhas, porcos e galinhas, porque fazem
esses bichos ganharem peso mais rápido, alavancando a produção de carne.
A fórmula empregada para deixá-los rechonchudos é praticamente a mesma
dos remédios disponibilizados para os seres humanos.
O tamanho do problema
Um artigo recente escancarou que o uso desse tipo de remédio ainda é exagerado no Brasil, principalmente na infância
39,7%
das crianças com um problema de saúde qualquer saem da consulta com a receita de um antibiótico.
89,1%
dos casos de prescrição de antibiótico foram feitos por análise clínica, sem nenhum exame complementar.
62,7%
das doses receitadas dessa modalidade de remédio estavam acima ou abaixo do que é recomendado atualmente.
Dados retirados do estudo "Prescrições Pediátricas em uma Unidade Básica
de Saúde do Sul de Santa Catarina: Avaliação de Uso de Bacterianos", da
Universidade do Sul de Santa Catarina.
Fonte: Revista saúde
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